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20.5.11

Uma boa rotina 

Texto Publicado originalmente no jornal "O Diabo"

Henrique Silveira – crítico

Danças húngaras nº1, 3 e 10 de Johannes Brahms, concerto nº2 para violino e orquestra de Béla Bartók com Hae-Sun Kang como solista, Suite para orquestra opus 27, Suite Villageoise, de George Enesco e Moldava de Bedrich Smetana. Sexta 6 de Maio na Fundação Gulbenkian com casa meia, direcção de Lawrence Foster.

Um programa de obras ou compositores ligados pelo senso comum ao nacionalismo musical, bem concebido à partida, pena a fraca a adesão do público.

As danças húngaras de Brahms foram abordadas com energia musical, gostei da densidade das cordas que encheram a sala na dança nº1, no entanto os pizzicati de violinos e violas precisam de mais apuro rítmico. Gostei também da liderança que o primeiro contrabaixo induziu no seu grupo.

Seguiu-se um concerto de Bartók, uma peça de resistência do repertório do violino e uma obra de grande fôlego. Kang, uma coreana especialista em música contemporânea, esteve quase sempre tecnicamente a um bom plano, com uma excepção na cadência onde teve uma falha clamorosa, mas foi gélida na interpretação, neste particular esperava mais do segundo andamento, andante tranquilo, com tema e variações em que o lirismo esteve muito arredado, Bartók não pode ser visto como uma peça para violino e electrónica... Não sei se por falta do maestro ou da solista o terceiro andamento, allegro molto, foi muito lento e arrastado, assim considero que este concerto acabou por ter uma interpretação pouco inspirada.

Depois do intervalo apresentou-se Foster com um compositor em que é especialista, o romeno Enesco, mais uma vez energia e clareza simples na interpretação de uma obra sobrecarregada de orquestração, uma obra que usa das cores orquestrais para criar uma paleta de efeitos evocativos, do campo às brincadeiras das crianças, uma velha casa de infância, um rio sob a lua e danças rústicas. Uma palavra para Pedro Ribeiro, solista em oboé, que tocou destacado da orquestra numa varanda sobre a plateia da Gulbenkian para criar o efeito evocativo da distância, um solo quase perfeito com um belíssimo som e projecção e muita poesia. Esta suite de Enesco foi o ponto alto do concerto.

A orquestra esteve em bom plano com uma belíssima sonoridade.

Seguiu-se um dispensável Moldava, que evoca o rio Checo, de Smetana. Parecia um rio carregado de lama e detritos de tal forma pesado e arrastado, com acompanhamento paquiderme nos contrabaixos, com destaque negativo para a lenta e penosa coda final. Foster, mais uma vez, mostrou ser capaz do pior e do melhor.

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10.5.11

A Paixão 

Texto Publicado originalmente no jornal "O Diabo"

Henrique Silveira – crítico

Johann Sebastian Bach, Paixão Segundo S. João. Amsterdam Baroque Orchestra and Choir, direcção de Tom Koopman. Teresa Wakim, soprano, Maarten Engeltjes, contratenor, Tilman Lidchi, tenor e Klaus Mertens, baixo. Segunda 18 de Abril na Fundação Gulbenkian com casa cheia.

Aquela que é encarada como música de indignação e revolta perante a morte, numa grande intensidade dramática, foi tratada de uma forma invulgarmente doce por Tom Koopman. Surpreendeu logo de início o tratamento de uma suavidade etérea que alternou o piano com o forte nas interjeições do coro: Senhor, Senhor, Senhor, Nosso Senhor, que abre a obra e que em vez de ser violenta foi despojada e transparente em todas as suas linhas. Essa leitura ponderada e transparente, deixando a música respirar de forma serena em todas as suas dissonâncias, foi levada ao extremo em toda a obra, deixando Bach falar através das harmonias e da retórica interior à música. Perdeu-se o drama mas ganhou-se paz. A Paz de Cristo que reina no final quando tudo está consumado e uma lindíssima viola da gamba dialoga com um contralto, interrompida por uma alla breve que nos dá por finda a luta de Cristo na Terra.

Um coro de uma qualidade superlativa moveu-se com virtuosismo ao longo dos coros, corais e turbas da obra, mostrando vozes individuais de elevado nível e um conjunto de uma grande homogeneidade. Perfeito no contraponto e seguríssimo nas entradas.

Tanto o Evangelista, Lidch, como o Cristo, Mertens cantaram também as árias de tenor e baixo. Irrepreensível o tenor foi sublime nos recitativos. Mertens teve apenas um ligeiro problema ao deixar escapar a linha numa das árias. Um pouco mais hesitantes de início foram o contratenor e a soprano mas melhoraram ao longo da noite.

Instrumentistas quase perfeitos onde brilhou a flauta de Hazelzet e um extraordinário Jaap ter Linden no violoncelo e na viola da gamba.

Apenas alguma ligeireza no acompanhento dos recitativos, onde o órgão de Koopman, que também dirigia, foi algo superficial, fizeram com que este concerto não tivesse sido um marco interpretativo.

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o - Mau, * - sofrível, ** - interessante, *** - bom, **** - muito bom, ***** - excepcional.

P.S. Mais uma vez pouco espaço para uma crítica que se queria muito mais longa...

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2.5.11

O Esplendor da Juventude 

Publicado originalmente no jornal "O Diabo"

Henrique Silveira – crítico

Gustav Mahler Jugendorchester com direcção de Philippe Jordan, tenor Burkhard Fritz e barítono Thomas Hmpson, Domingo 17 de Abril, Fundação Gulbenkian, Adagio da Sinfonia nº 10 e Canção da Terra de Gustav Mahler.

No centenário da morte de Mahler a orquestra juvenil que se refunda todos os anos com mais de uma centena dos jovens músicos mais prometedores da Europa volta à sua digressão de Páscoa. Portugal participou com Pedro Fernandes na trompa e Filipe Alves no trombone. Note-se a elevada proporção de jovens de países da mesma ou menor dimensão que a nossa, como Bélgica, Eslováquia ou Estónia, que contribuem com mais músicos. Por outro lado a Espanha tem um largo número de cordas na orquestra e Portugal tem zero músicos neste sector. É um barómetro de como vai mal o ensino da música em Portugal.

O concerto começou com o desesperado adagio da sinfonia que Mahler nunca veio a concluir. O Adagio seria o primeiro andamento. A obra foi tocada com um amor pela música que chegou a ser avassalador, é certo que alguns pizzicati saíram pouco exactos, é certo que, numa tessitura muito ingrata, as violas estiveram quase perfeitas com excepção de uma desafinação pontual, é certo que algumas entradas não foram milimétricas nos metais graves, mas a beleza da entoação, o equilíbrio notável de uma formação tão jovem com uma grande densidade nas cordas, em maior número do que numa formação habitual, e um belíssimo som nas madeiras, deixaram o público de rastos. A direcção muito inspirada e poética de Jordan, apenas com as mãos, criou momentos de grande intensidade dramática e também de grande lirismo. Mahler confrontado com a traição de uma mulher, que nunca o entendeu, e a doença mortal despediu-se desta terra com estes compassos tão bem entendidos por estes jovens, notável.

A Canção da Terra, de facto são seis canções sinfónicas agrupadas numa obra coerente, foi o corolário perfeito este concerto especial. A obra tem uma grande intensidade e exige um grande tenor, com agilidade, potência e brilho; um tenor completo, que seja capaz de um bom piano e de fortíssimos rutilantes, de poesia, de ironia e de virtuosismo. Fritz, um alemão do norte, começou frio e com dificuldades vocais de emissão e entoação na primeira canção mas à medida que aqueceu mostrou ter todas as qualidades mencionadas acima, precisa apenas de melhorar no domínio da suavidade vocal.

Thomas Hampson que, no meu entender, nem tem uma voz muito bela em termos de timbre, construiu uma narrativa coerente e empolgante, perfeito na dicção e na forma de dizer poesia, Hampson foi o poeta chinês que Mahler transformou em música. Com domínio total do papel, e da respiração, foi apenas um pouco ácido nos graves em termos de afinação, teve confiança total na emissão. Acabou numa “Despedida”, último lied do ciclo, tão bela que atingiu o indizível e nos comoveu, mostrando uma qualidade superlativa.

E o encanto da juventude perdurou na nossa memória e levou-nos aos tempos de Mahler e da sua vida tão complicada quando foi bela a sua música. Bravo jovens músicos.

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o - Mau, * - sofrível, ** - interessante, *** - bom, **** - muito bom, ***** - excepcional.

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